quinta-feira, 3 de julho de 2008

FUNÇÃO PÚBLICA



Eu agora venho falar-vos dum problema grave.

Desculpem trazer aqui um problema que é meu. E que ainda por cima é grave... Quero falar-vos da Função Pública. (Eu disse que era grave...)

A coisa começa logo por ser grave pelo nome: Função Pública.

«Função... Função... Função...»

Só um estrangeiro - e de um país distante, com uma língua cheia de @s, &s e £s (tipo Suécia, Finlândia ou Austrália) - é que pode pensar que «função» é uma coisa simples, facilmente definível... Só um estrangeiro que nunca cá tenha estado.

Nós próprios já devemos ter pensado assim, que era simples. Talvez no início do vapor, da era industrial. «Vai começar a função!»... É uma expressão antiga. Já praticamente ninguém a diz. Porque dizer «vai começar a função» queria dizer que a função ia mesmo começar. Hoje já ninguém arrisca dizer uma coisa dessas.

Na época do vapor era preciso extrair o carvão - ou importá-lo (nasceram aí as folhas de importação!...) -, metê-lo numa caldeira, acender a fornalha... e depois a fornalha aquecia a água, a água, depois de atingir os 100 graus da química ou da física, fazia vapor e esse vapor fazia... a função começar.

O «vai começar a função!» fazia sentido. A gente anunciava, leva atempo mas começava. Funcionava. Tinha uma função.

Mas nós, portugueses, juntámos o «pública» à função. O que pressupõe que mete mais gente... O que torna logo a coisa mais complicada...

Pública... «Pública» quer dizer que é para o público - que é muita gente, supostamente, se não for uma coisa experimental... - e que esse público em princípio deve estar informado sobre ela - e por isso é «pública».

Eu até acredito que na era do vapor a ideia fosse pôr as coisas a funcionar e duma forma pública, acessível a toda a gente. Aquela coisa: «Liberdade, igualdade, fraternidade», «Proletários de todos os países uni-vos», etc. A coisa era a vapor, levava tempo a aquecer, mas pressupunha-se que ia funcionar para toda a gente - «pública»...

Não.

A Função Pública, já todos o sabemos, não é para funcionar. Levámos praí 200 anos a chegar a esta conclusão... É uma vida...

É que a coisa começa logo por cima: pelo Presidente. O Presidente da Ré-pública (o Presidente da Função Pública, porque em Portugal a república é a função pública e o resto é malta que só atrapalha...) o Presidente não tem grandes poderes. Pode fazer discursos «orientadores». Pode falar... Mas será que ele tem uma função?

Não... É pública, sim, mas não é «função»...

A coisa até se pode compreender: é para deixar o governo trabalhar.

O governo... O governo... O governo tem uma função, isso é público. O governo tem a função de cumprir o seu programa - que é tornado público nas eleições... A coisa até está bem pensada...

Mas o problema do governo é que é a cabeça - chamemos-lhe assim - da função pública... E a gravidade da situação começa logo aí. Porque o governo chega cheio de ideias - estou a exagerar, mas supondo... - para governar a função pública - o que é mais um problema, e grave...

Mas felizmente há o Director-Geral! O Director-Geral tem a sua função! O Director-Geral tem a função de explicar ao ministro que disse em campanha eleitoral que ia fazer não sei o quê (a gente também já não leva a coisa muito a sério...), que a coisa não é assim tão simples...

(Agora aqui peço-vos para fazerem um esforço e pensarem que o candidato quando chegou ao governo tentou mesmo fazer aquilo que tinha andado a prometer, porque se não partirmos desse princípio então ninguém se entende.)

O Director-Geral, ao tentar explicar porque é que o ministro - ministro ou qualquer um de nós que precise de fazer alguma coisa com a função pública - não pode fazer aquilo que pensou que ia fazer, o Director-Geral está a dar a conhecer a Função Pública.

Que, no fundo, é o quê?...

Isso só o Director de Serviços pode explicar...

O Director de Serviços pode então finalmente explicar ao Director-Geral o que é o seu serviço. (O que são os outros serviços este Director de Serviços nem tenta explicar porque cada um sabe de si e Deus... que se entenda porque isto já é suficientemente complicado e eu já tenho uma série de problemas que me preocupem no meu serviço.)

Ora o serviço do Director de Serviços da Função Pública é explicar a todos os funcionários do seu serviço que não podem fazer agora o que estavam a fazer antes porque o procedimento foi alterado... por quem? Pelo ministro - que obviamente não percebe nada do que anda a fazer porque não conhece a Função Pública.

Estava-me a esquecer de falar no papel... O papel de cada um... Que é muito importante. Cada funcionário tem o seu. E isso é ponto assente. Não vamos baralhar os papéis.

E quando falo em papel é, pelo menos, uma folha A4. A folha A4 de cada um - que só existe para que o papel de cada um fique bem definido. Por escrito!... Para não haver confusões.

Claro que depois há uma série de funcionários cujo papel é tratar do papel de cada funcionário, para que o seu papel - a sua função! - fique bem clara. Mas isso já nem é um problema: é assim!

Bom...

Eu disse que isto era complicado...

Ora toda a gente sabe que o funcionário público ganha mal. Claro que não estou a falar do fiscal, que ganha mal mas vive inexplicavelmente bem. Não, estou a falar do funcionário público normal, que tem um emprego estável - excepção feita aos funcionários públicos que são os elementos das forças de segurança que têm um «emprego» nada estável - mas ganha mal.

O funcionário público tem aumentos que acompanham a inflação anunciada pelo governo - que, lá está, pensa em fazer uma coisa mas depois não consegue -, é sempre menor que a real, o funcionário público ganha cada vez menos.

Ora, não se pode pedir a uma pessoa que ganha cada vez menos que se preocupe em fazer aquilo que nem um ministro consegue fazer.

Uma pessoa que ganha cada vez menos não tem incentivos para fazer cada vez mais. É o contrário. E eu percebo e conheço o problema. Daí serem necessários cada vez mais funcionários públicos para fazerem o trabalho que o Presidente, os ministros, os Directores-Gerais, os Directores de Serviços, os assessores, etc., inventam, até chegarem à conclusão que não é possível mexer em nada.

E eu percebo que um funcionário que vive isto, o mínimo que exija é que o seu emprego seja estável. E que, portanto, ninguém pense em mexer em nada... Percebe-se...

É por isso que a Função Pública não mexe, não se altera. Não pode funcionar. E com ela o Presidente, o governo e tudo o resto. O que é grave. Estão a ver agora o meu problema???